segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

St. Edith Stein - O Mistério do Natal - Cap. IV

Meios Salvíficos

Será que podemos falar alto “seja feita a Vossa vontade”, quando não temos mais a certeza daquilo que a vontade de Deus exige de nós? Temos meios para permanecer no Seu caminho, quando se apaga a luz interior? Existem tais meios, e tão fortes, que o erro, apesar das possibilidades, de fato se torna infinitamente improvável. Deus veio para nos salvar, se nos unirmos a Ele, se conformarmos a nossa vontade com a Sua. Ele conhece a nossa natureza. Ele conta com ela, e por isso nos deu tudo, que nos pode ajudar, para alcançar o fim.

O Deus-Menino se tornou nosso permanente mestre para nos dizer o que devemos fazer. Para que a vida humana seja inundada da vida divina, não basta uma vez por ano, ajoelhar-se diante do presépio e deixar-se cativar pelo encanto da Noite Santa. Para isto, devemos estar em comunicação diária com Deus, ouvir as palavras que Ele falou e que nos foram transmitidas, e segui-las. E, antes de tudo, rezar, como o Salvador mesmo ensinou e sempre de novo incutiu insistentemente. “Pedi e recebereis”. Esta é a promessa segura de atendimento. E quem fala diariamente, de coração, “ ó Senhor, seja feita a tua vontade”, pode confiar, que não desrespeita a vontade divina, onde subjetivamente não tem certeza.

Além disso, Cristo não nos deixou órfãos. Ele mandou o seu Espírito, que nos ensina toda a verdade; Ele fundou a sua Igreja, que é conduzida pelo seu Espírito, e estabeleceu nela os seus representantes, pela boca dos quais o seu Espírito fala para nós com palavras humanas. Nela uniu os fiéis em comunidade e deseja que um ajude o outro. Assim, não estamos sós, e onde fracassa a confiança em si mesmo e a própria oração, aí ajuda a força da obediência e a força da intercessão.

“E o Verbo se fez carne”. Isto se tornou realidade no estábulo de Belém. Mas cumpriu-se ainda de outra maneira. “Quem comer a minha carne e beber o meu sangue, este terá a vida eterna”. O Salvador que sabe que somos e permanecemos humanos, tendo que lutar dia após dia, com fraquezas, vem em auxílio da nossa humanidade de maneira verdadeiramente divina. Assim como o corpo terrestre precisa do pão cotidiano, assim também a vida divina em nós precisa ser alimentada constantemente. “Este é o pão vivo que desceu do céu”. Quem come deste pão todos os dias, neste se realizará, diariamente, o mistério do Natal, a Encarnação do Verbo. E este, certamente, é o caminho mais seguro, para se tornar “um com Deus” e de penetrar dia a dia de maneira mais firme e mais profunda no Corpo Místico de Cristo. Eu sei que para muitos pode parecer um desejo por demais radical. Para a maioria, isto significa, começar de novo, uma reorganização de toda a vida interna e externa. Mas deve ser assim! Na nossa vida deve se criar espaço para o Cristo eucarístico, para que Ele possa transformar a nossa vida na sua vida: será que é exigir demais? A gente tem tempo para tantas coisas fúteis, tantas coisas inúteis: ler livros, revistas, jornais, freqüentar restaurantes, conversar na rua 15 ou 30 minutos, tudo isto são “dispersões”, onde esbanjamos tempo e força. Não se poderá reservar uma hora pela manhã, para se concentrar, e ganhar força, para enfrentar o resto do dia? Mas, na verdade, é necessário mais que uma hora. Devemos viver de tal maneira, que uma hora se suceda à outra e estas, prepararem as que vierem. Assim, não será mais possível “deixar-se levar” mesmo temporariamente pelo afã do dia. Com quem se vive diariamente, não se pode desconsiderar o seu julgamento. Mesmo sem dizer palavras, percebemos como os outros nos consideram. Tentamos nos adaptar conforme o ambiente e, se não conseguimos, a convivência se torna um tormento. Assim também acontece na comunicação diária com o Senhor. Tornamo-nos cada vez mais sensíveis àquilo que Lhe agrada ou desagrada. Se antes, estávamos mais ou menos contentes com nós mesmos, agora isto se torna diferente. E descobriremos em nós muita coisa que precisa ser melhorada e outras que às vezes, são quase impossíveis de serem mudadas. Assim nos tornaremos pequenos, humildes, pacientes e condescendentes com o “cisco no olho de nosso próximo”, pois a “trave” no nosso olho nos incomoda. Finalmente, aprenderemos a aceitar-nos tal qual somos à luz da presença divina e a nos entregar à divina misericórdia, que poderá vencer tudo aquilo que está além de nossas forças.

Da auto-suficiência de um “bom católico”, que “cumpre com seus deveres”, que “lê um bom jornal” e “vota certo” etc. - mas que, no entanto, pratica o que ele bem quer - há um longo caminho até chegar a viver na mão de Deus e da mão de Deus, na simplicidade da criança e na humildade do cobrador de impostos. Mas quem uma vez andou, não voltará atrás. Assim, filiação divina quer dizer: tornar-se pequeno e, ao mesmo tempo, tornar-se grande. Viver da eucaristia quer dizer: sair, espontaneamente da estreiteza da própria vida e penetrar na amplitude da vida de Cristo. Quem visita o Senhor na sua casa, não quer se ocupar sempre e somente com seus problemas. Vai começar a interessar-se pelas coisas do Senhor. A participação no sacrifício diário nos leva livremente à totalidade litúrgica. As orações e os ritos do culto divino nos apresentam, no decorrer do ano litúrgico, a história da salvação diante da nossa alma, deixando penetrar-nos sempre mais profundamente no seu sentido.

E a ação sacrificial nos impregna sempre de novo o mistério central de nossa fé, o ponto angular da história universal: o mistério da Encarnação e Redenção. Quem poderia com coração aberto participar do santo sacrifício, sem ser envolvido por este espírito de sacrifício, sem ser tomado pelo desejo, dele mesmo e com sua pequena vida pessoal, se integrar na grande obra do Salvador? Os mistérios do cristianismo são um todo indiviso. Quando nos aprofundamos num deles, seremos conduzidos para todos os outros. Assim, o caminho de Belém conduz, seguramente, para o Gólgota; do presépio para a cruz. Quando a bem-aventurada Virgem levou a criança para o templo, foi-lhe profetizado que uma espada atravessaria a sua alma, e que
esta criança seria a causa da queda e do reerguimento de muitos; um sinal de contradição. É o anúncio da paixão, da luta entre a luz e treva, que já se manifesta no presépio.

Em alguns anos a apresentação do Senhor coincide com a septuagésima, a celebração da encarnação e a preparação para a paixão. Na noite do pecado brilha a estrela de Belém. No esplendor da luz, que sai do presépio, cai a sombra da cruz. A luz se apaga nas trevas da sexta-feira santa, mas se levanta com mais fulgor, como sol da graça, na manhã da ressurreição. Através da cruz e da paixão para a glória da ressurreição, foi o caminho do Filho de Deus encarnado.

Chegar com o Filho do Homem, pela paixão e morte à glória da Ressurreição, é o caminho de cada um de nós, por toda a humanidade.

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