segunda-feira, 9 de abril de 2012

As Sementes da Esperança de Tolkien e Guareschi

Por Cecilia Barella.
Tradução Minha.

"Senhor, que é este vento de loucura? [...] O homem, penso eu, está destruindo todo o seu patrimônio espiritual. A única riqueza que em milhares de séculos tinham acumulado. Um dia, não muito distante, se encontrará como o bruto das cavernas. As cavernas serão arranha-céus cheios de máquinas maravilhosas, mas o espírito do homem será aquele do bruto das cavernas. [...]Senhor, se é isso que acontecerá, o que podemos fazer?"
O Cristo sorriu: "O que faz o agricultor quando o rio varre suas margens e invade o campo: é preciso salvar as sementes. Quando o rio for devolvido ao seu leito, a terra ressurgirá e o sol a secará. Se o agricultor houver salvo as sementes, poderá lançá-la na terra ainda mais fértil pelo lodo do rio, e a semente produzirão frutos, e a espigas inchadas e douradas darão aos homens pão, vida e esperança. É preciso salvar a semente: a fé."

O trecho é tomado do romance "Don Camillo e Don Chichi"(1969) de Giovanni Guareschi (a primeira edição foi publicada com o título "Don Camillo e os jovens de hoje").

Um outro autor Católico, J.R.R. Tolkien, na Inglaterra, expressa conceito similar em uma narrativa de estilo diferente, épico, fabuloso e atemporal. O Senhor dos Anéis narra o ano em que a Terra Média é atravassada pela Guerra do Anél. Como Guareschi, Tolkien viveu duas guerras mundiais, e também para ele o maligno "Tem um cérebro feito de metal e engrenagens, e não se preocupa pelas coisas que crescem". Esta última expressão (Coisas que crescem) ocorre várias vezes no livro, pela boca de Barbárvore e, no final, de Eowyn curada. Mas é o Hobbit Sam, o jardineiro companheiro de viagem de Frodo, o personagem tolkeniano que acima de tudo encarna este espírito. E para ele, os Elfos, que estão prestes a deixar a Terra, doaram as sementes coletadas em seu reino para repovoar o verde e pacífico Condado que - os hobbits ainda não sabiam - seria literalmente devastado ao final da guerra. "Para você, pequeno jardinheiro e amante das árvores", disse a Sam, "Só tenho um pequeno presente". Eles entregaram uma caixa simples de madeira cinza, totalmente sem adornos, com uma única runa de prata na tampa. "Este G é de Galadriel" disse a Senhora, "Mas também pode ser a inicial de jardim no seu idioma".¹ A caixa contém terra do meu pomar, e todas as bençãos que Galadriel ainda tem e pode transmitir. Não te ajudará a percorrer sempre o caminho certo, nem te defenderá contra as armadilhas, mas se você a conservar, e um dia retornar finalmente para sua casa, então talvez seja recompensado. Mesmo que encontre tudo desnudo e abandonado, quando espalhar na terra o conteúdo da caixa, poucos jardins florirão como o seu na Terra Média.

Claro que isso não se trata simplesmente de uma paixão pela jardinagem. Em Tolkien e em Guareschi ecoam cânticos evangélicos como as Bem-Aventuranças ("Bem-Aventurados os mansos porquê herdarão a terra") e as muitas parábolas baseadas na imagem da semente: a parábola do semeador e do solo fértil e rochoso, aquela da semente de mostarda tão pequena quanto frondosa quando cresce, que Jesus usa várias vezes para descrever tanto o Reino de Deus quanto o poder da Fé. As sementes são facilmente metáforas de nascimento e renascimento, e na cultura Cristã também de ressureição, portanto de Páscoa. São Boaventura chama a cruz de "Lignum Vitae" porquê no Cristianismo é simbolo mais da ressureição do que da paixão. O imaginário Medieval fundiu a figura da árvore com que foi feita a cruz com a mais antiga imagem da árvore cósmica, ou árvore da vida - de fato presente em todas as culturas. Uma das lendas mais famosas e populares do tempo (da Escandinávia à Espanha e a Grécia) era aquela segundo a qual a árvore da cruz nasceu de três sementes provenientes do Paraíso: pinheiro, palmeira e cipreste - de acordo com Godofredo de Viterbo, no final do século XII - com folhagens diferentes mas que depois cresceram juntas em uma única planta, como A Trindade. As sementes, portanto, são sinais de esperança para o homem, e de vida, em particular de uma vida baseada na harmonia.

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1 – Jardim em italiano se escreve giardino.

sábado, 20 de agosto de 2011

Papa anuncia que irá proclamar novo doutor da Igreja




Durante a Missa para os seminaristas, na manhã deste sábado, 20, na Jornada Mundial da Juventude (JMJ), em Madri, na Espanha, o Papa Bento XVI anunciou que vai declarar São João de Ávila como novo Doutor da Igreja.

“Com grande alegria, no marco da santa igreja Catedral de Santa Maria a Real da Almudena, quero anunciar agora ao povo de Deus que, acolhendo os pedidos do Senhor Presidente da Conferência Episcopal Espanhola, o Eminentíssimo Cardeal Antônio Maria Rouco Varela, Arcebispo de Madri, dos outros Irmãos no Episcopado da Espanha, bem como de um grande número de Arcebispos e Bispos de outras partes do mundo, e de muitos fiéis, declararei, proximamente, São João de Ávila, presbítero, Doutor da Igreja”, disse o Papa.

Ao divulgar esta notícia, o Pontífice expressou seu desejo de colocar as palavras e a vida desde santo como exemplo para os seminaristas ali presentes.

“Convido todos a dirigirem o olhar para ele, e confio à sua intercessão os Bispos da Espanha e de todo o mundo, bem como os presbíteros e seminaristas para que, perseverando na mesma fé que ele ensinou, possam modelar seu coração conforme os sentimentos de Jesus Cristo, o Bom Pastor, a quem seja dada toda glória e honra por todos os séculos dos séculos”, destacou Bento XVI.

São João de Ávila

João de Ávila, nasceu em Almodóvar del Campo, em Castilla Nueva. Estudou filosofia e teologia na Universidade de Alcalá. É considerado como um dos mais influentes Santos da Espanha do século XVI. Foi amigo de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus (jesuítas) e conselheiro espiritual da Santa Teresa, se atribui a ele também a conversão de São Francisco de Borja e São João de Deus.

Ordenado sacerdote mostrou tal eloquência, que o Arcebispo de Sevilha pediu que se dedicasse à evangelização em seu país. Trabalhou durante 9 anos nas missões de Andaluzia.

Dedicou-se a pregar o Evangelho em todas as regiões da Espanha, principalmente nas cidades. Os mais famosos de seu escritos são suas cartas e o tratado: “Audi Filia”.

Foi beatificado em 1894 e canonizado pelo Papa Paulo VI em 31 de maio de 1970. Sua festa se celebra no dia 10 de maio.


Fonte: Canção Nova Notícias

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Alguns Pensamentos de S. Giuseppe Moscati




"A vida é um piscar de olho: honras, triunfos, riquezas e ciências tombam, diante da realização do grito do Gênesis, do grito lançado por Deus contra o homem culpado: tu morrerás!
Mas a vida não acaba com a morte, continua com um jeito melhor. Para todos é prometido, após a redenção do mundo, o dia que nos reunirá a nossos entes falecidos, e que nos reconduzirá ao supremo Amor!" [De carta ao advogado Mariconda, que perdeu a irmã. 27 de fevereiro 1919]

"Mas a vida foi definida um relâmpago no eterno. E nossa humanidade, por mérito da dor que a recheia, e da qual se saciou Aquele que vestiu nossa carne, transcende a matéria e nos leva desejar uma felicidade além do mundo. Bem-aventurados aqueles que seguem essa tendência da consciência, e olham para o além, onde os afetos terrenos, que pareciam precocemente quebrados, serão reunidos". [Da carta à Senhorita Carlotta Petravella, que perdeu a mãe. 20 de janeiro 1920]

"Lembras que, seguindo a medicina, assumiste a responsabilidade de uma sublime missão. Persevera, com Deus no coração, com os ensinamentos de teu pai e de tua mãe sempre na memória, com amor e piedade para os derrelitos, com fé e entusiasmo, surdo aos elogios e críticas, impassível à inveja, disposto só ao bem" [Da carta ao Dr. Giuseppe Biondi, 4 de setembro 1921]

"Seja o que for, lembra duas coisas: Deus não abandona ninguém. Quanto mais te sentires só, ignorado, vilipendiado, incompreendido e quando pensares sucumbir ao peso de uma grave injustiça, terás a sensação de uma força infinita e arcana, que te tornará capaz de propósitos bons e viris, de cuja potência te maravilharás, quando tornares sereno. E esta força é Deus!" [Da carta ao Dr. Cosimo Zacchino, 6 de outubro 1921]

"Os doentes são as imagens de Jesus Cristo. Muitos malvados, delinqüentes, blasfemadores, acabam de chegar ao hospital por disposição da misericórdia de Deus, que os quer salvos! Nos hospitais a missão das irmãs, médicos, enfermeiros, é de colaborar a esta infinita misericórdia, ajudando, perdoando, e se sacrificando." [Folhinha escrita por Moscati, com data de 17 de janeiro de 1922, e encontrada num livro após sua morte]

"Mesmo longe, não deixes de cultivar e rever cada dia teus conhecimentos. O progresso fica numa contínua critica de quanto aprendemos. Uma só ciência é inabalável e imutável, aquela revelada por Deus, a ciência do além!. Em todas suas obras, olhe para o Céu e à eternidade da vida e da alma, e teu rumo será bem diferente de como seria sugerido pelas puras considerações humanas, e tua atividade será inspirada ao bem". [Da carta ao Dr. Consoli, aluno de Moscati, que devia deixar Nápoles. 22 de julho 1922]

"Meu Jesus, amor! Teu amor me torna sublime; teu amor me santifica, me leva não a uma criatura só, mas a todas as criaturas, à infinita beleza de todos os seres, criados à tua imagem e semelhança!" [Oração escrita por Moscati, de 5 de junho de 1922, encontrada pela irmã Nina]

"Não a ciência, mas a caridade transformou o mundo, em algumas épocas; somente poucas pessoas passaram à história por causa da ciência; mas todos poderão ficar eternos, símbolo da eternidade da vida, em que a morte é só uma etapa, uma metamorfose para uma ascensão maior, se dedicarem-se ao bem.
Sempre está vivo no meu coração a amargura por saber-te longe; e somente me conforta a esperança que tu tenhas guardado em ti algo de mim; não porque vale nada, mas por aquele conteúdo espiritual que me esforcei de guardar e difundir ao meu redor: tarefa sublime, mas tão inatingível pelas minhas pobres forças.! [Da carta ao Dr. Antonio Guerricchio, 22 de julho 1922]

"Ama a verdade; mostra-te qual és, sem ficções, medos e precauções. Se a vida te custar perseguição, aceita-a; e se for o tormento, suporta-o. E se para a verdade precisares sacrificar a ti mesmo e tua vida, seja forte no sacrifício." [Bilhete escrito no 17 de outubro 1992, por Giuseppe Moscati]

"Lembra que viver é missão, é dever, é dor! Cada um de nós deve ter seu lugar de combate...
Lembra de te preocupar não só do corpo, mas também das almas que gemem, que te procuram. Quantas dores saberás aliviar mais facilmente com o conselho, e descendo ao espírito, mais do que as frias receitas a ser entregues para o farmacêutico! Se alegre, porque grande será sua recompensa; mas precisa dar exemplo de tua elevação a Deus para aqueles que te rodeiam". [Da carta ao Dr. Cosimo Zacchino. Ascensão 1923]

"Acreditei que todos os jovens merecedores, encaminhados entre as esperanças, sacrifícios, anseios de suas famílias, à via da medicina nobilíssima, tivessem o direito a se aperfeiçoarem, lendo um livro que não foi imprimido preto no branco, mas que por capa tem as camas hospitalares e as salas de laboratório, e por conteúdo a dolorida carne dos homens e o material científico, livro que precisa ser lido com infinito amor e grande sacrifício ao próximo.
Pensei que fosse uma dívida de consciência instruir os jovens, aborrecendo o costume de guardar com mistério ciumento o fruto da própria experiência, mas revela-lo a eles..." [Da carta ao Prof. Francesco Pentimalli. 11 de setembro 19239]

"Todos os jovens deveriam compreender que na prática da continência está o melhor modo de se prevenir da maior doença transmissível... Tendo seu espírito e seu coração longe da imoralidade, com um exercício de renúncia e de sacrifício, deveriam jurar de conceder sua maturidade e sanidade sexual somente ao ser unicamente amado." [Do prefácio de G. Moscati a um livro de Giuseppe De Giovanni s.j. e do Prof. Mario Mazzeo, com o título: L’eugenica. 1925]

"Tenho aqui na mesinha, entre as primeiras flores da primavera, o retrato de tua filha, e paro, enquanto escrevo, a meditar sobre a caducidade das coisas humanas. Beldade, todo encanto da vida passa... Fica eterno só o amor, causa de toda obra boa, que sobrevive a nós, que é esperança e religião, porque o amor é Deus.
Satanás tentou poluir também o amor terreno, mas Deus o purificou pela morte. Grandiosa morte que não é fim, mas princípio do sublime e do divino, diante dele estas flores e beleza são nada! Teu anjo, tirado em seus verdes anos, como sua dileta amiga, encontrada nos últimos dias, a bem-aventurada Teresa, do céu protege a ti e a sua mãe..."
[Da carta ao Escrivão De Magistris, cuja jovem filha faleceu. 7 de março 1924. * José Moscati era muito devoto à então bem aventurada Teresa do Menino Jesus (S. Teresa de Lisieux). Fale dela em algumas suas cartas e tinha em seu quarto uma sua imagem. Sobre isso pode-se ler o artigo de Giuseppe Samà s.j.: S. Teresa de Lisieux e S. José Moscati, dois grandes santos de nosso tempo.]

"Esta noite li a sua tese. Foi um grande sucesso... A comissão toda aplaudiu. Veja que quem não abandona Deus, terá sempre um guia na vida, segura e reta. Não prevalecerão desvios, paixões contra aquele que do trabalho e da ciência – dos quais Initium est timor Domini – fez seu ideal." [Da carta ao Dr. Francesco Pansini. 10 de março 1926]

"Que a matéria seja animada por muitíssimas e profundas energias que a envolvem em suas atividades e na progressiva complexidade de suas formas, nada se opõe a acolher, mas precisa também lembrar que este princípio de espiritualidade... esta ordem maravilhosa, que se organiza na matéria até alcançar os mais altos topos de sua elaborada organização, não seja outra coisa que o atestado de um Deus absconditus que regula com suprema inteligência este soberbo edifício sobre o qual se eleva a vida, vida que acontece por causa das leis da Alta Sabedoria que tudo move; ainda mais maravilhosas quando elas governam não somente os cosmos colossais, mas também a mais delicada trama do mais microscópico elemento." [Pensamento de Moscati referido pelo Prof. Pietro Castellino após a morte do Santo]

" A necessidade de eternizar no mármore e no bronze as grandes figuras falecidas, e celebrar sua obra, demonstra que o pensamento e o espírito humano são eternos.
Abaixo de cada cruz e cada haste deste cemitério, onde parece que haja só ossos inermes e pó, há a lembrança de um coração que viveu do amor infinito e sofreu uma imensa dor; tem a sede de um espírito que não pode ficar extinguido." [Palavras de Moscati para a dedicação de um busto a Giovanni Paladino, no cemitério de Poggioreale]

"Amamos a Deus sem medida, quer dizer, sem medida na dor e sem medida no amor... Coloquemos todo nosso afeto, não somente nas coisas que Deus quer, mas na vontade do mesmo Deus que as determina." [Do depoimento da Senhorita Emma Picchillo]

"Exercitemo-nos quotidianamente na caridade. Deus é caridade: quem está na caridade está em Deus e Deus está nele. Não esqueçamos de fazer cada dia, aliás, cada instante, oferenda de nossas ações a Deus, cumprindo tudo por amor a ele." [Do depoimento da Senhorita Emma Picchillo]

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Fonte: http://www.moscati.it/Brasil.html

quarta-feira, 29 de junho de 2011

Homilia do Papa Bento XVI nos 60 anos de sacerdócio




Santa Missa no 60º aniversário de Ordenação Sacerdotal de Bento XVI
e entrega do Pálio aos novos Arcebispos Metropolitanos

Basílica de São Pedro
Quarta-feira, 29 de junho de 2011


Amados irmãos e irmãs!


"Non iam servos, sed amicos"
- "Já não vos chamo servos, mas amigos" (cf. Jo 15, 15). Passados sessenta anos da minha Ordenação Sacerdotal, sinto ainda ressoar no meu íntimo estas palavras de Jesus, que o nosso grande Arcebispo, o Cardeal Faulhaber, com voz já um pouco fraca, mas firme, dirigiu a nós, novos sacerdotes, no final da cerimônia da Ordenação. Segundo o ordenamento litúrgico daquele tempo, esta proclamação significava então a explícita concessão aos novos sacerdotes do mandato de perdoar os pecados. "Já não sois servos, mas amigos": eu sabia e sentia que esta não era, naquele momento, apenas uma frase "de cerimônia"; e que era mais do que uma mera citação da Sagrada Escritura. Estava certo disto: neste momento, Ele mesmo, o Senhor, di-la a mim de modo muito pessoal. No Batismo e na Confirmação, Ele já nos atraíra a Si, acolhera-nos na família de Deus. Mas o que estava a acontecer naquele momento ainda era algo mais. Ele chama-me amigo. Acolhe-me no círculo daqueles que receberam a sua palavra no Cenáculo; no círculo daqueles que Ele conhece de um modo muito particular e que chegam assim a conhecê-Lo de modo particular. Concede-me a faculdade, que quase amedronta, de fazer aquilo que só Ele, o Filho de Deus, pode legitimamente dizer e fazer: Eu te perdoo os teus pecados. Ele quer que eu – por seu mandato – possa pronunciar com o seu "Eu" uma palavra que não é meramente palavra mas ação que produz uma mudança no mais íntimo do ser. Sei que, por detrás de tais palavras, está a sua Paixão por nossa causa e em nosso favor. Sei que o perdão tem o seu preço: na sua Paixão, Ele desceu até ao fundo tenebroso e sórdido do nosso pecado. Desceu até à noite da nossa culpa, e só assim esta pode ser transformada. E, através do mandato de perdoar, Ele permite-me lançar um olhar ao abismo do homem e à grandeza do seu padecer por nós, homens, que me deixa intuir a grandeza do seu amor. Diz-me Ele em confidência: "Já não és servo, mas amigo". Ele confia-me as palavras da Consagração na Eucaristia. Ele considera-me capaz de anunciar a sua Palavra, de explicá-la retamente e de a levar aos homens de hoje. Ele entrega-Se a mim. "Já não sois servos, mas amigos": trata-se de uma afirmação que gera uma grande alegria interior mas ao mesmo tempo, na sua grandeza, pode fazer-nos sentir ao longo dos decênios calafrios com todas as experiências da própria fraqueza e da sua bondade inexaurível.

"Já não sois servos, mas amigos": nesta frase está encerrado o programa inteiro de uma vida sacerdotal. O que é verdadeiramente a amizade?
Idem velle, idem nolle – querer as mesmas coisas e não querer as mesmas coisas: diziam os antigos. A amizade é uma comunhão do pensar e do querer. O Senhor não se cansa de nos dizer a mesma coisa: "Conheço os meus e os meus conhecem-Me" (cf. Jo 10, 14). O Pastor chama os seus pelo nome (cf. Jo 10, 3). Ele conhece-me por nome. Não sou um ser anônimo qualquer, na infinidade do universo. Conhece-me de modo muito pessoal. E eu? Conheço-O a Ele? A amizade que Ele me dedica pode apenas traduzir-se em que também eu O procure conhecer cada vez melhor; que eu, na Escritura, nos Sacramentos, no encontro da oração, na comunhão dos Santos, nas pessoas que se aproximam de mim mandadas por Ele, procure conhecer sempre mais a Ele próprio. A amizade não é apenas conhecimento; é sobretudo comunhão do querer. Significa que a minha vontade cresce rumo ao "sim" da adesão à d’Ele. De fato, a sua vontade não é uma vontade externa e alheia a mim mesmo, à qual mais ou menos voluntariamente me submeto ou então nem sequer me submeto. Não! Na amizade, a minha vontade, crescendo, une-se à d’Ele: a sua vontade torna-se a minha, e é precisamente assim que me torno de verdade eu mesmo. Além da comunhão de pensamento e de vontade, o Senhor menciona um terceiro e novo elemento: Ele dá a sua vida por nós (cf. Jo 15, 13; 10, 15). Senhor, ajudai-me a conhecer-Vos cada vez melhor! Ajudai-me a identificar-me cada vez mais com a vossa vontade! Ajudai-me a viver a minha existência, não para mim mesmo, mas a vivê-la juntamente convoco para os outros! Ajudai-me a tornar-me sempre mais vosso amigo!

Essa palavra de Jesus sobre a amizade situa-se no contexto do discurso sobre a videira. O Senhor relaciona a imagem da videira com uma tarefa dada aos discípulos: "Eu vos destinei, para que vades e deis fruto e o vosso fruto permaneça" (Jo 15, 16). A primeira tarefa dada aos discípulos, aos amigos, é pôr-se a caminho – destinei, para que vades –, sair de si mesmos e ir ao encontro dos outros. A par dessa, podemos ouvir também a frase que o Ressuscitado dirige aos seus e que aparece na conclusão do Evangelho de Mateus: "Ide fazer discípulos de todas as nações…" (cf. Mt 28, 19). O Senhor exorta-nos a superar as fronteiras do ambiente onde vivemos e levar ao mundo dos outros o Evangelho, para que permeie tudo e, assim, o mundo se abra ao Reino de Deus. Isto pode trazer-nos à memória que o próprio Deus saiu de Si, abandonou a sua glória, para vir à nossa procura e trazer-nos a sua luz e o seu amor. Queremos seguir Deus que Se põe a caminho, vencendo a preguiça de permanecer cômodos em nós mesmos, para que Ele mesmo possa entrar no mundo.

Depois da palavra sobre o pôr-se a caminho, Jesus continua: dai fruto, um fruto que permaneça! Que fruto espera Ele de nós? Qual é o fruto que permanece? Sabemos que o fruto da videira são as uvas, com as quais depois se prepara o vinho. Por agora detenhamo-nos sobre esta imagem. Para que as uvas possam amadurecer e tornar-se boas, é preciso o sol mas também a chuva, o dia e a noite. Para que deem um vinho de qualidade, precisam de ser pisadas, há que aguardar com paciência a fermentação, tem-se de seguir com cuidadosa atenção os processos de maturação. Características do vinho de qualidade são não só a suavidade, mas também a riqueza das tonalidades, o variado aroma que se desenvolveu nos processos da maturação e da fermentação. E por acaso não constitui já tudo isto uma imagem da vida humana e, de modo muito particular, da nossa vida de sacerdotes? Precisamos do sol e da chuva, da serenidade e da dificuldade, das fases de purificação e de prova mas também dos tempos de caminho radioso com o Evangelho. Num olhar de retrospectiva, podemos agradecer a Deus por ambas as coisas: pelas dificuldades e pelas alegrias, pela horas escuras e pelas horas felizes. Em ambas reconhecemos a presença contínua do seu amor, que incessantemente nos conduz e sustenta.

Agora, porém, devemos interrogar-nos: de que gênero é o fruto que o Senhor espera de nós? O vinho é imagem do amor: este é o verdadeiro fruto que permanece, aquele que Deus quer de nós. Mas não esqueçamos que, no Antigo Testamento, o vinho que se espera das uvas boas é sobretudo imagem da justiça, que se desenvolve numa vida segundo a lei de Deus. E não digamos que esta é uma visão veterotestamentária, já superada. Não! Isto permanece sempre verdadeiro. O autêntico conteúdo da Lei, a sua summa, é o amor a Deus e ao próximo. Este duplo amor, porém, não é qualquer coisa simplesmente doce; traz consigo o peso da paciência, da humildade, da maturação na educação e assimilação da nossa vontade à vontade de Deus, à vontade de Jesus Cristo, o Amigo. Só deste modo, tornando verdadeiro e reto todo o nosso ser, é que o amor se torna também verdadeiro, só assim é um fruto maduro. A sua exigência intrínseca, ou seja, a fidelidade a Cristo e à sua Igreja requer sempre que se realize também no sofrimento. É precisamente assim que cresce a verdadeira alegria. No fundo, a essência do amor, do verdadeiro fruto, corresponde à palavra relativa ao pôr-se a caminho, ao ir: amor significa abandonar-se, dar-se; leva consigo o sinal da cruz. Neste contexto, disse uma vez Gregório Magno: Se tendeis para Deus, tende cuidado que não O alcanceis sozinhos (cf. H Ev 1, 6, 6: PL 76, 1097s). Trata-se de uma advertência que nós, sacerdotes, devemos ter intimamente presente cada dia.

Queridos amigos, talvez me tenha demorado demasiado com a recordação interior dos sessenta anos do meu ministério sacerdotal. Agora é tempo de pensar àquilo que é próprio deste momento.

Na solenidade dos Santos Apóstolos Pedro e Paulo, antes de mais nada dirijo a minha mais cordial saudação ao Patriarca Ecumênico Bartolomeu I e à Delegação por ele enviada, cuja aprazível visita na ocasião feliz da festa dos Santos Apóstolos Padroeiros de Roma vivamente agradeço. Saúdo também os Senhores Cardeais, os Irmãos no Episcopado, os Senhores Embaixadores e as autoridades civis, como também os sacerdotes, os colegas da minha Missa Nova, os religiosos e os fiéis leigos. A todos agradeço a presença e a oração.

Aos Arcebispos Metropolitanos nomeados depois da última festa dos grandes Apóstolos, será agora imposto o pálio. Este, que significa? Pode recordar-nos em primeiro lugar o jugo suave de Cristo que nos é colocado aos ombros
(cf. Mt 11, 29-30). O jugo de Cristo coincide com a sua amizade. É um jugo de amizade e, consequentemente, um "jugo suave", mas por isso mesmo também um jugo que exige e plasma. É o jugo da sua vontade, que é uma vontade de verdade e de amor. Assim, para nós, é, sobretudo, o jugo de introduzir outros na amizade com Cristo e de estar à disposição dos outros, de cuidarmos deles como Pastores. E assim chegamos a um novo significado do pálio: este é tecido com a lã de cordeiros, que são benzidos na festa de Santa Inês. Deste modo recorda-nos o Pastor que Se tornou, Ele mesmo, Cordeiro por nosso amor. Recorda-nos Cristo que Se pôs a caminho pelos montes e descampados, aonde o seu cordeiro – a humanidade – se extraviara. Recorda-nos como Ele pôs o cordeiro, ou seja, a humanidade – a mim – aos seus ombros, para me trazer de regresso a casa. E assim nos recorda que, como Pastores ao seu serviço, devemos também nós carregar os outros, pô-los por assim dizer aos nossos ombros e levá-los a Cristo. Recorda-nos que podemos ser Pastores do seu rebanho, que continua sempre a ser d’Ele e não se torna nosso. Por fim, o pálio significa também, de modo muito concreto, a comunhão dos Pastores da Igreja com Pedro e com os seus sucessores: significa que devemos ser Pastores para a unidade e na unidade, e que só na unidade, de que Pedro é símbolo, guiamos verdadeiramente para Cristo.

Sessenta anos de ministério sacerdotal! Queridos amigos, talvez me tenha demorado demais nos pormenores. Mas, nesta hora, senti-me impelido a olhar para aquilo que caracterizou estes decênios. Senti-me impelido a dizer-vos – a todos os presbíteros e Bispos, mas também aos fiéis da Igreja – uma palavra de esperança e encorajamento; uma palavra, amadurecida na experiência, sobre o fato que o Senhor é bom. Mas esta é sobretudo uma hora de gratidão: gratidão ao Senhor pela amizade que me concedeu e que deseja conceder a todos nós. Gratidão às pessoas que me formaram e acompanharam. E, subjacente a tudo isto, a oração para que um dia o Senhor na sua bondade nos acolha e faça contemplar a sua glória. Amém.

quarta-feira, 25 de maio de 2011

G. K. Chesterton – O Santo da Blogsfera

Ele amava o debate e a controvérsia, mas ao mesmo tempo, conseguiu manter-se magnânimo ao seu inimigo.

Tenho notado nas respostas às minhas duas últimas postagens no blog que algumas pessoas ficam extremamente esquentadas sobre certas questões como ‘direitos das mulheres’, ‘o fantasma da superpopulação’ e assim por diante. As vezes parece que não é possível conduzir um debate sério sem querer dar verbalmente um soco na cara do seu adversário. Qual é o antídoto? Amar seu adversário mesmo quando você explica a ele que seus argumentos são superficiais, ignorantes, irracionais ou confusos; mais fácil falar do que fazer. Havia um homem que amava o debate, a controvérsia e a argumentação, e ao mesmo tempo conseguia se manter magnânimo ao seu inimigo: este era G. K. Chesterton. Acabo de ler "The Holiness of Chesterton", editado por William Oddie, e refletindo que Chesterton teria entrado na blogsfera com entusiasmo. Palavras escritas e respostas rápidas vem para ele naturalmente; idéias e imagens flui incessantemente de sua pena. Diante da brigada ateísta ele teria feito bolhas e faiscado, rindo e se lançando, pronto para vencer assim como para vencer.

Em sua introdução, Oddie cita Chesterton em S. Tomás de Áquimo: A produtividade enorme de S. Tomás, comenta Chesterton, não poderia ter sido alcançada, "se ele não estivesse pensando mesmo quando não escrevia; mas acima de tudo pensando combativamente. Isso em seu caso, certamente não queria dizer rancor ou amargura ou falta de caridade, mas isso quer dizer combativo. Por uma questão de fato é geralmente o homem que não está pronto para argumentar, que está pronto para zombar. É por isso que na literatura recente tem havido tão pouca argumentação e tanto escárnio."

Não havia escárnio nas composições de Chesterton. Ele teria desprezado como um tom de voz, bem como seus companheiro, a amargura e o rancor. Ele também foi santo, porquê ele amava a verdade e amava as pessoas; porquê ele odiava a farsa e a hipocrisia; porquê ele foi generoso e humilde. "Santidade" é uma categoria estranha ao ateísmo, que cheira a trapaça cristã e hipocrisia. Se os ateus pudessem apenas pensar em santidade como um homem muito grande, engraçado e generoso, sincero e bem humorado, cheio de fé e irradiando felicidade, eles teriam alguma idéia do que se trata.

Olhando para trás em sua vida Chesterton certa vez a descreveu como "indefensavelmente feliz", a felicidade de um homem que encontrou a pérola de grande valor e quer compartilhar com todos que ele encontra. Vamos rezar pela sua canonização, como o futuro santo da blogsfera.

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Autor: Francis Phillips
Fonte: CatholicHerald.co.uk
Tradução minha

quarta-feira, 11 de maio de 2011

Certo onde estávamos errados

Durante o curso de seu longo pontificado, o Papa João Paulo II escreveu grande volume de Cartas Apostólicas, Encíclicas e outros documentos exortando os fiéis da Igreja Católica em várias matérias da fé: reforçar sua vida de oração, aderir ao ensinamento da Igreja sobre o aborto e a contracepção artificial, ter a devida reverência pelo Santo Sacrifício da Missa e pela Eucaristia, ter uma boa compreensão da Doutrina Social Católica (Distributismo), aderir aos ensinamentos morais Católicos, a importância da razão como um complemento à fé, e talvez o mais importante, reafirmar a autoridade magisterial da Igreja, numa época em que a maioria acredita que ela seja uma irrelevante relíquia do passado.

Que efeito tem feito as encíclicas? Bem, não parece haver qualquer ressurgimento de interesse em S. Tomás de Aquino. Católicos ainda estão abortando e usando da contracepção no mesmo rítmo que a população geral. O que lemos acerca de frequentar a Igreja, os políticos Católicos pró-aborto indicam que eles ainda possuem uma aproximação um tanto casual ao Sacramento Católico da Eucaristia. E nós não temos visto nada para nos convercer de que os Católicos são mais bem informados sobre a subsiariedade ou o Distributismo do que qualquer pessoa.

Assim pode parecer razoável concluir que João Paulo II teve pouca influência sobre o seu rebanho, apesar de sua enorme popularidade.

Naturalmente, o impacto total dos 26 anos de pontificado de João Paulo II só pode ser julgado pela história, mas já detectamos um paradoxo que Chesterton teria apreciado: O fato de que extensos ensinamentos de João Paulo II são amplamente ignorados não é um sinal de fraqueza do papado. Nadar contra a maré é um sinal claro de vitalidade.

Ele traz à mente algo que Chesterton escreveu quando discutia sua própria conversão: ''Nós realmente não queremos uma religião que é exatamente onde estamos certos. Queremos uma religião que é exatamente onde estamos errados.'' Se há alguma coisa que a extensa obra de João Paulo II demonstra é esta: que o papado está frequentemente certo não só quando o mundo está errado mas mesmo quando os Católicos estão errados.

Aos detratores da Igreja, Chesterton escreveu: ''Simplesmente levam o humor moderno e quando exige qualquer credo seja cortado para se ajustar àquele humor.'' Que tipo de humor moderno? Tomando uma sugestão do feminismo, os modernos olham o sacerdócio somente masculino e exigem que a Igreja ordene mulheres, pois, eles insistem, o sacerdócio apenas masculino é uma reminiscência de épocas menos esclarecidas. Mas eles se esquecem (ou talvez nem saibam) que os cultos pagãos, que os primeiros Cristão encontrados em toda parte eram dominados por sacerdotisas, e que um sacerdócio apenas masculino parecia tão estranho para os modernos de 2000 anos atrás como ele se parece para os modernos de hoje. Ou talvez os modernos de hoje não são assim tão modernos.

Em sua carta apostólica Ordinatio Sacerdotalis, João Paulo II deixou claro que as mulheres não poderiam ser ordenadas padres porque, como ele disse, a Igreja não tem autoridade para fazê-lo. Em outras palavras, ele não poderia mudar a doutrina da Igreja. Não importa o que as mulheres queiram ou o que diz a moda. Este papa não se guia pelo mau humor. Havia muita gente, Católicos e não Católicos igualmente, que gritou em indignação quando João Paulo II reafirmou o ensinamento antigo da Igreja. Mas ele estava certo enquanto eles estavam errados.

Da mesma forma, a pressão continuou a crescer durante o papado de João Paulo II para a Igreja relaxar seus ensinamento sobre a contracepção artificial, e até mesmo sobre o aborto. A sabedoria popular dizia que diminuindo suas restrições, a Igreja finalmente apanharia o mundo moderno. No entanto, a contracepção e o aborto não são novidade, e os modernos mais uma vez provavelmente não estão consciêntes de que os primeiros Cristãos a chegar a Roma encontraram uma sociedade onde a contracepção, o aborto, e mesmo o infanticídio eram amplamente praticados. (Temos que perguntar: o que é nos modernos que os tornam modernos?)

Contra esta maré, João Paulo II publicou sua encíclica Evangelium Vitae, que reafirmou o antigo e constante ensinamento da Igreja sobre o aborto e a contracepção: que a tomada de uma vida humana inocênce no ventre é mal, que separar o que Deus uniu relativamente ao ato matrimonial é prejudicial à vida e ao amor. Isso não combina bem com os modernos, mas eles estavam errados enquanto o Papa estava certo, e uma maneira de nós sabermos que ele estava certo foi que ele simplesmente repetiu um ensinamento que remonta ao primeiro século, quando os modernos de então eram maus também. Assim foi com João Paulo II durante seu pontificado. Ele era aquela coisa viva que vai contra a corrente das coisas mortas. Era verdade no início quando ele iniciou a queda do comunismo simplesmente dizendo que seus colegas poloneses eram livres independentes de qualquer sistema político sob o qual vivessem, desafiando um mundo que disse que o comunismo não cairia, salvo por uma massiva intervenção militar. E era verdade no final, quando em seus últimos dias ele deu testemunho da dignidade do sofrimento enquanto os estabelecimentos judiciais e políticos dos Estados Unidos conspiraram para matar Terri Schiavo por nenhuma outra razão além de que ela era um incoveniente.

''É nesses casos'', escreve Chesterton, ''que chegamos a real briga da religião, e é nesses casos que chegamos ao triunfo peculiar e solitário da fé Católica. Não é em apenas estar bem quando estamos certos, como em ser alegre ou esperançoso ou humano. É em ter sido bem quando estávamos errados, e no fato de voltar sobre nós mais tarde como um bumerangue.''

Requiesce in Pace, Joao Paulo II: você estava certo, quando nós estávamos errados.


—Sean P. Dailey, do conselho editorial da Gilbert Magazine.
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Fonte: American Chesterton Society
Tradução minha.

terça-feira, 8 de março de 2011

Como ir à Missa e não perder a Fé

Bux: “No campo litúrgico, estamos frente a uma desregulação insuportável”

Por Mariaelena Finessi

ROMA, terça-feira, 8 de março de 2011 (ZENIT.org) - Um enfraquecimento da fé e a diminuição do número de fiéis poderiam ser atribuídos aos abusos litúrgicos e às Missas ruins, quer dizer, às que traem seu sentido original e onde, no centro, já não está Deus, mas o homem, com a bagagem de suas perguntas existenciais.

Essa é uma ideia sustentada por Nicola Bux, teólogo e consultor da Congregação para a Doutrina da Fé e do Ofício de Celebrações Litúrgicas do Sumo Pontífice.

Apresentado em Roma no dia 2 de março, em seu livro "Come andare a Messa e non perdere la fede" [Como ir à Missa e não perder a fé, N. do T.], Bux lança-se contra a virada antropológica da liturgia.

Bux replica a quantos criticaram Bento XVI, acusando-o de ter traído o espírito conciliar. Ao contrário – argumenta o teólogo – os documentos oficiais do Concílio Vaticano II foram traídos precisamente por essas pessoas, bispos e sacerdotes à frente, que alteraram a liturgia com “deformações ao limite do suportável”.

Participar de uma celebração eucarística pode significar, de fato, também se encontrar perante as formas litúrgicas mais estranhas, com sacerdotes que discutem economia, política e sociologia, tecendo homilias em que Deus desaparece. Proliferam os ensaios de antropologia litúrgica até reduzir a esta dimensão os próprios sinais sacramentais, “agora chamados – denuncia Bux – preferivelmente de símbolos”. A questão não é pequena: enfrentá-la implica ser tachado de anticonciliar.

Todos se sentem com o direito de ensinar e praticar uma liturgia “ao seu modo”, tanto que hoje é possível assistir, por exemplo, “à afirmação de políticos católicos que, considerando-se ‘adultos’, propõem ideias de Igreja e de moral em contraste com a doutrina”.

Entre aqueles que iniciaram esta mudança, Bux recorda Karl Rahner, quem, à raiz do Concílio, denunciava a reflexão teológica então imperante que, em sua opinião, mostrava-se pouco atenta ou esquecida da realidade do homem.

O jesuíta alemão sustentava em contrapartida que todo discurso sobre Deus brotaria da pergunta que o homem lança sobre si mesmo. Em consequência – esta é a síntese – a tarefa da teologia deveria ser falar do homem e de sua salvação, lançando as perguntas sobre si e sobre o mundo. Um pensamento teológico que, com triste evidência, foi capaz de gerar erros, o mais clamoroso dos quais é o modo de entender o sacramento, hoje já não sentido como procedente do Alto, de Deus, mas como participação em algo que o cristão já possui.

“A conclusão que Häuβling tira disso – recuerda Bux – é que o homem, nos sacramentos, acabaria por participar de uma ação que não corresponde realmente a sua exigência de ser salvo”, já que abre mão da intervenção divina. A semelhante tese “sacramental” e à derivação anexa da liturgia, responde Joseph Ratzinger, que já no dorso do volume XI, “Teologia da Liturgia”, de sua Opera omnia, escreve: “Na relação com a liturgia se decide o destino da fé e da Igreja”.

A liturgia é sagrada, de fato, se tiver suas regras. Apesar disso, se por um lado o ethos, ou seja, a vida moral, é um elemento claro para todos, por outro lado, ignora-se quase totalmente que existe também um “jus divinum”, um direito de Deus a ser adorado. “O Senhor é zeloso de suas competências – sustenta Bux –, e o culto é o que lhe é mais próprio. Em contrapartida, precisamente no campo litúrgico, estamos frente a uma desregulação”.

Sublinhando, em contrapartida, que sem “jus” o culto torna-se necessariamente idolátrico, em seu livro o teólogo cita uma passagem da “Introdução ao espírito da liturgia”, de Ratzinger, que escreve: “Na aparência, tudo está em ordem e presumivelmente também o ritual procede segundo as prescrições. E no entanto é uma queda na idolatria (...), faz-se Deus descer ao nível próprio, reduzindo-o a categorias de visibilidade e compreensibilidade”.

E acrescenta: “trata-se de um culto feito à própria medida (...), converte-se em uma festa que a comunidade faz para si mesma; celebrando-a, a comunidade não faz mais que confirmar a si mesma”. O resultado é irremediável: “Da adoração a Deus se passa a um círculo que gira em torno de si mesmo: comer, beber, divertir-se”. Em sua autobiografia (Mi vida), Ratzinger declara: “Estou convencido de que a crise eclesial em que hoje nos encontramos depende em grande parte do colapso da liturgia”.

Para encerrar, uma sugestão e uma advertência. A primeira é relançar a liturgia romana “olhando para o futuro da Igreja – escreve Bux –, em cujo centro está a cruz de Cristo, como está no centro do altar: Ele, Sumo Sacerdote a quem a Igreja dirige seu olhar hoje, como ontem e sempre”. A segunda é inequívoca: “se acreditamos que o Papa herdou as chaves de Pedro – conclui –, quem não o obedece, antes de tudo em matéria litúrgica e sacramental, não entra no Paraíso”.


Fonte: www.zenit.org