quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Os Santos e a interpretação da Escritura

48. A interpretação da Sagrada Escritura ficaria incompleta se não se ouvisse também quem viveu verdadeiramente a Palavra de Deus, ou seja, os Santos.[162] De facto, «viva lectio est vita bonorum».[163] Realmente a interpretação mais profunda da Escritura provém precisamente daqueles que se deixaram plasmar pela Palavra de Deus, através da sua escuta, leitura e meditação assídua.

Certamente não é por acaso que as grandes espiritualidades, que marcaram a história da Igreja, nasceram de uma explícita referência à Escritura. Penso, por exemplo, em Santo Antão Abade, que se decide ao ouvir esta palavra de Cristo: «Se queres ser perfeito, vai, vende tudo o que possuíres, dá o dinheiro aos pobres, e terás um tesouro no céus; depois, vem e segue-Me» (Mt 19, 21).[164] Igualmente sugestivo é São Basílio Magno, quando, na sua obra Moralia, se interroga: «O que é próprio da fé? Certeza plena e segura da verdade das palavras inspiradas por Deus. (…) O que é próprio do fiel? Com tal certeza plena, conformar-se com o significado das palavras da Escritura, sem ousar tirar nem acrescentar seja o que for».[165] São Bento, na sua Regra, remete para a Escritura como «norma rectíssima para a vida do homem».[166] São Francisco de Assis – escreve Tomás de Celano – «ao ouvir que os discípulos de Cristo não devem possuir ouro, nem prata, nem dinheiro, não devem trazer alforge, nem pão, nem cajado para o caminho, não devem ter vários pares de calçado, nem duas túnicas, (…) logo exclamou, transbordando de Espírito Santo: Com todo o coração isto quero, isto peço, isto anseio realizar!».[167] E Santa Clara de Assis reproduz plenamente a experiência de São Francisco: «A forma de vida da Ordem das Irmãs pobres (…) é esta: observar o santo Evangelho do Senhor nosso Jesus Cristo».[168] Por sua vez, São Domingos de Gusmão «em toda a parte se manifestava como um homem evangélico, tanto nas palavras como nas obras»,[169] e tais queria que fossem também os seus padres pregadores: «homens evangélicos».[170] Santa Teresa de Ávila, nos seus escritos, recorre continuamente a imagens bíblicas para explicar a sua experiência mística, e lembra que o próprio Jesus lhe manifesta que «todo o mal do mundo deriva de não se conhecer claramente a verdade da Sagrada Escritura».[171] Santa Teresa do Menino Jesus encontra o Amor como sua vocação pessoal, quando perscruta as Escrituras, em particular os capítulos 12 e 13 da Primeira Carta aos Coríntios;[172] e a mesma Santa assim nos descreve o fascínio das Escrituras: «Apenas lanço o olhar sobre o Evangelho, imediatamente respiro os perfumes da vida de Jesus e sei para onde correr».[173] Cada Santo constitui uma espécie de raio de luz que brota da Palavra de Deus: assim o vemos também em Santo Inácio de Loyola na sua busca da verdade e no discernimento espiritual, em São João Bosco na sua paixão pela educação dos jovens, em São João Maria Vianney na sua consciência da grandeza do sacerdócio como dom e dever; em São Pio de Pietrelcina no seu ser instrumento da misericórdia divina; em São Josemaria Escrivá na sua pregação sobre a vocação universal à santidade; na Beata Teresa de Calcutá missionária da caridade de Deus pelos últimos; e nos mártires do nazismo e do comunismo representados, os primeiros, por Santa Teresa Benedita da Cruz (Edith Stein), monja carmelita, e os segundos pelo Beato Aloísio Stepinac, Cardeal Arcebispo de Zagrábia.

49. Assim a santidade relacionada com a Palavra de Deus inscreve-se de certo modo na tradição profética, na qual a Palavra de Deus se serve da própria vida do profeta. Neste sentido, a santidade na Igreja representa uma hermenêutica da Escritura da qual ninguém pode prescindir. O Espírito Santo que inspirou os autores sagrados é o mesmo que anima os Santos a darem a vida pelo Evangelho. Entrar na sua escola constitui um caminho seguro para efectuar uma hermenêutica viva e eficaz da Palavra de Deus.

Tivemos um testemunho directo desta ligação entre Palavra de Deus e santidade durante a XII Assembleia do Sínodo quando, a 12 de Outubro na Praça de São Pedro, se realizou a canonização de quatro novos Santos: o sacerdote Caetano Errico, fundador da Congregação dos Missionários dos Sagrados Corações de Jesus e de Maria; a Irmã Maria Bernarda Bütler, nascida na Suíça e missionária no Equador e na Colômbia; a Irmã Afonsa da Imaculada Conceição, primeira santa canonizada nascida na Índia; a jovem leiga equatoriana Narcisa de Jesus Martillo Morán. Com a sua vida, deram testemunho ao mundo e à Igreja da perene fecundidade do Evangelho de Cristo. Pedimos ao Senhor que, por intercessão destes Santos canonizados precisamente nos dias da assembleia sinodal sobre a Palavra de Deus, a nossa vida seja aquele «terreno bom» onde o Semeador divino possa semear a Palavra para que produza em nós frutos de santidade, a «trinta, sessenta, e cem por um» (Mc 4, 20).


Fonte: Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini.

terça-feira, 19 de outubro de 2010

Hino à São Pedro de Alcântara


Feliz mil vezes quem preserva

Imaculada a branca flor;

E, desde jovem, se conserva

No Santuário do Senhor!

Tal como o lírio alvinitente

Que ao sol desponta em plena luz

Assim abriste adolescente

O coração a teu Jesus.


Protege o povo brasileiro

Que vem feliz te agradecer;

O nosso imortal padroeiro,

A fé não lhes deixes perder.

A fé não lhes deixes perder.


Como tesouro precioso,

Tu conservaste o coração

Livre do mal e fervoroso

No caminhar da perfeição;

Por esse afâ com que imitaste

Ao Salvador levando a Cruz,

Dá-mos vencer como alcançaste

O vil prazer que nos seduz.


No derradeiro e triste dia,

Vem lá do céu nos consolar,

Suavemente da agonia

Os mil temores dissipar

Morrendo assim com paciência

Juntos diremos, lá no céu:

Abençoada a penitência,

Que tanta glória nos valeu.


Deus, que a São Pedro concedeste

O Céu na terra prelibar,

E a seu fervor correspondeste

Com mui suave meditar,

Dá que imitemos seu exemplo

De austeridade e compunção;

E de nossa alma faze um templo

De fervorosa adoração.


quinta-feira, 30 de setembro de 2010

As orquídeas e a santidade

Um jardim belo e atraente está composto de uma variedade de flores com suas cores e formas que encanta quem o contempla. Isto se nota, sobretudo, quando a exuberância de plantas constitui uma unidade, agradável de admirar.

Exalando perfume, beleza e suavidade nas copas de altas árvores, na iluminada e agreste selva tropical, as orquídeas florescem encantando a todos os povos da terra. De fato, a maioria das espécies nasce nas florestas quentes onde elas possuem o mais propício habitat natural. Entretanto, podem brotar nos prados secos ou úmidos, nas sombrias matas temperadas; em relvados, mangais, dunas e rochas e, até no subsolo.

As orquídeas mais conhecidas possuem entre 10 a 20 cm, contudo, já se encontraram espécies com mais de 4 metros de comprimento; ou ainda, do tamanho de uma cabeça de alfinete. A variedade das orquídeas é impressionante, cerca 35.000 espécies nascem em todas as latitudes do planeta. Do círculo polar ártico ao mais tórrido clima tropical; nas escarpadas montanhas a 4.000 metros de altitude e em amenas planícies. É considerada a maior família de angiospermas, daí o especial interesse que desperta no mundo científico o estudo das orquídeas, por ser um “grupo único e altamente desenvolvido”.1

Esta variedade está aumentando, tanto naturalmente quanto por manipulação humana. É um gênero muito dócil à fecundação entre tipos diferentes somando cerca de 25.000 espécies híbridas. Nesta imensa variedade de orquídeas, existe uma unidade, por causa de uma “idêntica estrutura floral”.2 Das menores às maiores, todas são da mesma espécie, possuindo três pétalas e três sépalas conhecidas respectivamente como vertilícios internos e externos. Uma das pétalas é mais desenvolvida, maior e mais vistosa: chama-se labelo.

Não são apenas os cientistas que se encantam com as orquídeas. Desde a antiguidade eram admiradas pelas damas, cantadas pelos poetas e pintadas pelos artistas por sua textura delicada, forma extraordinária e caráter dramático. Acredita-se que Teofrasto (372-287 a.C.), pupilo de Aristóteles e um dos primeiros botânicos do ocidente, foi o primeiro a batizá-las com o vocábulo orchis, do grego primitivo orchos (círculo ou esférico) por causa do formato oval das raízes de algumas espécies mediterrâneas. Os antigos orientais extraíam seu perfume e nos herbários astecas, eram usadas como especiaria e loção para a saúde.

Algumas são exóticas por suas exuberantes formas e combinação de tons; outras são discretas de um colorido comum, mas nem por isso, menos belas. Há orquídeas sóbrias e solenes, também existem aquelas de aparência jocosa, como a Orchis Símia, uma espécie européia que lembra a pitoresca forma de macacos. Outras têm um colorido selvagem que fazem lembrar a pele de tigres asiáticos. Contudo, a maioria atrai os olhos admirativos pela sua amenidade, harmonia e beleza. Assim é a Barkeria, originária da Guatemala, de uma linda cor paunassa. Já a Primavera por causa de seu amarelo vivo é conhecida como chuva de ouro. A Potinaro, a rainha das orquídeas, é de uma beleza indescritível digna de ornar os altares de uma Catedral.

As flores das orquídeas são o seu mais valioso produto. Florir, encantando os povos é a sua finalidade. Por esta beleza incomum e tão variável, este mundo botânico é um belo e atraente exemplo de unidade na variedade.

As criaturas visíveis refletem certas características do mundo espiritual. A variedade das orquídeas torna-se um símbolo das almas criadas por Deus. Embora todos os homens tenham a mesma dignidade, as mesmas características que constituem a natureza humana, todos são, no entanto, diferentes. Cada ser humano criado a imagem e semelhança de Deus reflete um aspecto diferente da beleza do Criador.

É imagem, sobretudo, em sua alma, nas potências espirituais, inteligência e vontade.3 Por esta razão a natureza humana se aproxima mais ao criador que os seres irracionais. Em cada alma reluz de modo especial um aspecto de Deus; por isso, o universo das almas é mais numeroso, rico e belo que a família das orquídeas.

Nem todas as almas completam sua finalidade nesta vida, ou produzem a flor que coroa sua existência. O homem só realiza a plenitude de seu esplendor quando através da graça atinge a santidade. É o que se dá com os santos, as verdadeiras flores do mundo espiritual.

Certo dia, Nosso Senhor disse à Santa Catarina de Sena que “se víssemos uma alma em estado de graça teríamos a inclinação de adorá-la como Deus”.4 Se essa é a beleza da alma de um santo, o que se dirá da imensa variedade de Santos e Santas que floresceram no jardim da Igreja.

Assim como as orquídeas, há santos de todos os feitios. Um São Felipe Neri, simpático e jocoso, ou ainda, o asceta e solitário Santo Antão. Santos célebres de uma força de atração impressionante, como Santa Teresinha, ou santos desconhecidos, heróis em virtude, mas discretos. Houve um São Luís, Rei de França e uma Santa Isabel, Rainha de Portugal; também São Cízio, advogado; Beato Angélico, artista; Santa Bakhita, doméstica, e etc. Enfim, santos de todas as idades, classes sociais e estados de vida, de todas as latitudes e povos da terra.

Nada mais diferente e ao mesmo tempo tão semelhante quanto dois santos. A Igreja os canoniza formando um grande jardim de modelos, para estimular os fiéis alcançarem a santidade. A santidade é possível em qualquer recanto do planeta. Como no mundo das orquídeas, também no universo das almas santas existe um ponto de união nesta imensa diversidade. A santidade é o que torna afins almas tão diferentes, de temperamentos tão múltiplos, numa variedade e harmonia, ao mesmo tempo numa dignidade e simplicidade mais intensa que a família das flores.

Assim, as orquídeas ilustram com beleza e suavidade a síntese perfeita de unidade na variedade das almas santas.

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1 KRAMER, Jack. Orquídeas. Rio de Janeiro: Salamandre, 1987. p. 13.FLOYD, Suhleworth. Orquídeas. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1970. p. 14.

2 FLOYD, Suhleworth. Orquídeas. Rio de Janeiro: Expressão e Cultura, 1970. p. 14.

3 Cf. S.Th. I, q. 3, a. 1.

4 SENA, Catarina de. Apud LIGÓRIO, Afonso de. Preparação para Morte. Lisboa: L.C. Castro, 2004. p. 198.


Autor: Marcos Eduardo Melo dos Santos – 2º ano de Teologia
Fonte: http://ittanoticias.arautos.org/?p=833

sábado, 31 de julho de 2010

O Verdadeiro e o Falso Católico Tradicional

Por Luciano Beckman

Caros amigos, Salve Maria!

Venho falar de uma verdade. Tanto quanto existe aquele progressista bom, que na sua ignorância nada conhece sobre a Igreja mas que de todo o coração busca a Deus ainda que na falta de conhecimento, existe o falso, o perverso que sabe de toda a verdade mas para não 'remar contra a maré' permanece no erro para se juntar a massa e assim faz, dizendo-se seguir o Papa e estar salvo de todo o Mal ( Santo Atanásio que o diga desses perversos!)

O Falso Tradicional: Primeiramente, nota-se um falso tradicional por sua conduta. Julga tudo e todos e quem não lhe é do seu agrado, joga no "Inferno" insultando com várias passagens bíblicas e falas dos Santos Padres sem deixar o acusado ao menos se explicar. Julga pessoas de cismáticas quando a Igreja nunca se pronunciou sobre tal pessoa ou movimento, profere blasfêmias, mais julga do que acalenta o coração do seu irmão. Este tipo de católico é uma raça perversa, degradante e em massa na internet. Este tipo de católico cria ou não blogs no intuito de julgar e não de ensinar, fazendo o seu feudo e seu próprio tribunal do 'Santo Ofício' achando-se correto no exercício de condenar as pobres almas que nada conhecem e estão no erro sem o saber. Esta raça devemos fugir como da peste! Pois Deus em sua infinita misericórdia deu o seu único Filho para nos salvar, e jamais quis a morte do pecador, ainda que fosse por obra do homem a situação ter chegado onde está.

"Não quero a morte do pecador, mas que se converta e viva" (Ez 33,11)

O Verdadeiro Tradicional: Este católico é o que a Igreja realmente precisa. É caridoso, paciente, humilde, sempre disposto e sobretudo alegre! Recomenda a seus as boas leituras, sabe exortar com mansidão sem deixar que fuja seu irmão. Permanece fiel e é prudente com as novidades. Recusa todo e qualquer novidade que fuja do ensinamento perene da Igreja Católica e fiel a ortodoxia, se mantém seguro aliado ao Santo Rosário, reza pela conversão dos seus irmãos e pelo Santo Padre. Está sempre frequentando os sacramentos e não perde uma primeira ocasião para confessar seus pecados a um humilde e douto sacerdote. Acusa o falso catolicismo, sem desejar que seus irmãos caem no Inferno se não aceitarem seus conselhos. O seu verdadeiro intento é ensinar as almas a amar a Deus e somente isso anseia a tua alma: Que em tudo Deus seja glorificado!

O sossego é algo raro para este católico, e o sacrifício seu aliado. Vive pela fé e pela fé, quer viver e morrer.

Assim, repete com o Cristo:
«Eu não vim para arruinar os homens, mas para os salvar» (Lc 9,54-56;)

sexta-feira, 16 de julho de 2010

Nossa Senhora do Carmo, rogai por nós!



Flos Carmeli, Vitis florigera, Splendor Coeli, Virgo puerpera singularis. Mater mitis, sed viri nescia, Carmelitis esto propitia, Stella maris.

quinta-feira, 15 de julho de 2010

O Senhor dos Anéis, é um hino à Graça com referência contí­nua à Sagrada Escritura

" O Senhor dos Anéis» é fundamentalmente uma obra religiosa e católica escreve Tolkien na Carta de 2 de Dezembro de 1953 ao Padre Robert Murray: notícia nada surpreendente se for considerada a vida do seu autor, plasmada por uma profunda fé herdada da sua mãe, convertida da religião protestante da sua família de origem — o pai, educado numa escola metodista — ao catolicismo, escolha que pagou com em vida, sendo repudiada e abandonada à miséria com o desprezo dos seus familiares. "

Esta é a justa lente com a qual observar e compreender toda a obra de Tolkien. Os textos de Paolo Gulisano, de Andrea Monda e Saverio Simonelli sobre Tolkien, demonstram que a obra completa de Tolkien e não só «O Senhor dos Anéis», é um hino à Graça com referência contínua à Sagrada Escritura.

Nos textos de Tolkien do princípio ao fim surge como pensamento fundamental o sentido da vida e da escritura: o famoso conceito de subcriação, que vê o homem chamado por Deus na obra da formação da realidade, evidentemente com distinções: o subcriado do homem é o mundo dos mitos, dos acontecimentos que remetem para a mensagem completa.

Se Deus, «escrevendo» a Bíblia deu vida àqueles acontecimentos que são narrados — a Palavra fez-se carne! — o homem só pode «criar» mundos que permanecem prisioneiros da estrutura. Este é, segundo o nosso autor, o contributo que o homem pode oferecer a Deus na obra da criação. Há quem compare Tolkien a Manzoni (Monda e Simonelli) mas quem o sinta mais próximo de Dante: pois ambos, tiveram intenção de conferir o sentido anagógico ao seu trabalho: não símbolo, mas verdadeira experiência que remete para outro significado os acontecimentos. Não uma criação que remete para o outro, assim como o faz a Divina Comédia na intenção de Dante.

Olhando para a obra cinematográfica, se ao lado da trilogia podemos ver a presença dos dois últimos versos do Pai Nosso, o centro de toda a história pode ser expresso citando a conclusão da liturgia da palavra da Missa em honra de Sta. Inês — 21 de Janeiro — que recita: «Ó Deus omnipotente e eterno que escolhes as criaturas mais fracas para confundir o poder do mundo.» Nesta frase está condensada a mensagem de Tolkien: a confiança ilimitada no Deus católico e no seu projecto sobre a história, a exaltação dos humildes, a loucura que, como exclama Gandalf durante o conselho de Elrond, será o manto (a capa) aos olhos dos inimigos que assim confunde o poder do mundo. Palavras similares àquelas contidas no Magnificat : «exaltou a humildade da sua serva — derrubou os poderosos de seus tronos e exaltou os humildes.»

Humildes e frágeis: esta parece ser a fundamental e decisiva diferença entre o valioso universo Tolkiano e o divertido, mas também superficial mundo do Harry Potter, onde os bons são esplendidamente bons e os maus perversamente maus, divisão maniqueia. Na obra de Tolkien todos, como Gollum, podem ser resgatados e onde todos, como Frodo, como Aragon, como Gandalf, são constantemente tentados e não são capazes de ultrapassar necessariamente a tentação. Só os orcs, imitação do homem, criados da lama, e os emissários de Sauron são apresentados como impermeáveis à salvação: como os demónios e Satanás, segundo o que nos diz o Catecismo da Igreja católica.

Todo o «Senhor dos Anéis» é atravessado do sentido da fragilidade humana que só em Deus encontra cumprimento e apoio. Com efeito, como fez já notar Emília Lodizioni no primeiro e imprescindível «convite à leitura de Tolkien», o traço saliente deste romance, como de todos os que escreveu Tolkien, é a renúncia. A vitória sobre o mal só é possível renunciando, com liberdade, a qualquer coisa de querido. Se é bem notório que é a própria renúncia ao anel que permitirá salvar a Terra Média, são muitos outros os exemplos desta renúncia no texto, que se inicia com a renúncia de Bilbo ao seu precioso tesouro que Gandalf confiará a Frodo. O próprio Frodo renuncia à vida tranquila para assumir o encargo de conduzir ao término uma missão destinada aos heróis «institucionais» Aragon e Gandalf. Gandalf primeiro e Galadriel depois renunciam a possuir o anel que é oferecido a Frodo, superando a prova — e Tolkien utiliza em entrelinhas quase esse vocábulo — como Cristo no deserto afasta o demónio que lhe oferece a posse de todos os reinos da terra. Mas há outros argumentos que encontram a sua raiz na Escritura e na fé católica.

«Tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus» (Rm.8,25). Assim, de facto acontece no livro. Situações que parecem trágicas, extremamente negativas, demonstram-se no entanto preciosas para produzir o bem: se Gandalf o grisalho não «morresse» em Moria, não podia renascer como Gandalf o branco (e aqui recorda a palavra de Jesus: — Se o grão de trigo não morre — Jo.12,24). Sem o ataque de loucura que atinge Boromir e o leva a arrebatar o anel a Frodo e sem o assalto dos orcs o anel não chegaria a Est. Se Pippin e Merry não fossem raptados pelos orcs não chegariam à floresta de Fangar, se Gollum não tivesse fugido dos elfos e não tivesse traído os hobits o anel não teria sido deitado na fornalha ardente.

A figura do verdadeiro protagonista Frodo é traçada sob a figura do Santo, como Abraão a ponto de deixar tudo, a casa, a riqueza, a posição, para ir para a desolação; Moisés, o profeta que se sente inadequado para a missão confiada, e o próprio Jesus, do qual condivide a profunda e forte humildade e vontade de levar ao termo a missão confiada a custo com a própria vida. Como escreve Bertoni, na sua tese de doutoramento apresentada na Universidade de Bologna em 1995: «Frodo respondeu a uma chamada; se bem que quisesse evitá-la e não soubesse nada, de facto, de armas e de guerras». E uma vez chamado não volta mais atrás. Moria, que atravessa o primeiro livro, é o nome do monte sobre o qual Abraão é chamado a sacrificar Isaac (Gen.22,1). Mória é na realidade o lugar sobre o qual é constituída, séculos depois a cidadede Ieru-Salem, cujo rei ao tempo do patriarca é o famoso Melquisedec, rei de Salém. Uma das referências de Moria é o Calvário, onde um outro sacrifício será oferecido: o de Nosso Senhor Jesus Cristo. É em Mória que Gandalf morrre para depois ressurgir: um acaso? Penso que não. Uma indicação muito marcada que remete para o verdadeiro sentido do sacrifício.

Também a comunhão dos santos está presente no livro: é a piedade que Bilbo mostra sobre Gollum, não obstante todo o percurso do mal, inspira-lhe compaixão que permite que a missão seja cumprida. O esforço que as personagens fazem na sua batalha com as forças de Sauron sustêm Frodo, ajudando-o a levar o peso do anel que aumenta conforme se aproxima do Monte Fato. A mensagem de que o mal corrompe com a sua convivência está presente: o anel que representa o pecado, corrói todos os que têm contacto, não só Gollum, que o possui há muito, ficando uma imagem do que era, mas o próprio Bilbo e Frodo são alvo dos ataques e sobrevivem só em função de um esforço da livre vontade. Frodo não chega a perder a razão, também a capacidade de entender, e querer, no momento em que se encontra a poder deitar na voragem do Monte Fato o anel.

O anel encerra as três concupiscências que fala S. Paulo: dos olhos, da carne e soberba de vida. Nota-se em particular na vivência de Boromir o seu desejo mórbido de apoderar-se do anel, o que o leva a agredir Frodo pronunciando palavras que podem ser remetidas às três concupiscências referidas. O olhar capaz de desvelar os pensamentos do coração, que Galadiel, a mulher de Lothorien apresenta, faz pensar na imagem que Nosso Senhor e remete ao olhar de Jesus como Palavra que penetra o mais fundo e íntimo do nosso ser (Heb.4,12). A parábola dos talentos ressoa neste esplêndido diálogo entre Frodo e Gandalf: «Desejei tanto que tudo isto não acontecesse nos meus dias», exclamou Frodo. «Também eu» anuiu Gandalf, «como todos os que vivem estes acontecimentos. Mas não nos cabe a nós escolher. Tudo o que podemos decidir é como dispor do tempo que nos é dado.»

O importante é fazer bom uso do tempo, que foge das mãos e que, para quem tem critério cristão, vale mais que ouro, porque representa uma antecipação da glória que Deus nos concederá. A Graça está presente em cada página do romance e revela-se no momento decisivo: ninguém pode arrogar-se no mérito de ter salvo a Terra Média, pois todos ofereceram o seu contributo, todos os protagonistas da obra levam os seus pães e os seus peixes, mas nenhum deles pode multiplicá-los. É a Graça que se serve do hobits e dos homens, como dos elfos e restantes, que se alimenta da piedade de Bilbo e da misericórdia de Frodo, do heroísmo de Sam e da valentia de Aragorn, a jogar a última carta.


Tradução do italiano por Pe. Marco Luís.
Fonte: Valinor


quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Oração pela beatificação do Venerável Pio XII



Oh Jesus, Pontífice eterno, que os dignastes elevar a vosso servidor fiel, Pio XII, à suprema dignidade de Vigário vosso na terra, e lhe concedestes a graça de ser um intrépido defensor da fé, um valoroso propulsor da justiça e da paz, um zeloso glorificador de vossa Santíssima Mãe e um exemplo luminoso de caridade e de todas as virtudes, dignai-vos, em virtude de seus méritos, conceder-nos as graças que pedimos, a fim de que, confiados em sua eficaz intercessão diante de Vós, possamos vê-lo um dia elevado à glória dos altares. Amém.