A igreja popular que nos é proposta como uma nova alternativa de vida eclesial, simplesmente, já não é nossa Igreja Católica. Não tem nada daquilo que o Concílio Vaticano II descrevia como ‘’o mistério da Igreja’’, esta realidade divina transcendente e salvífica visivelmente presente entre os homens, ‘’a um tempo, humana e divina, visível mas ornada de dons invisíveis, operosa na ação e devotada à contemplação, presente no mundo e no entanto peregrina; e tudo isso de maneira que nela o humano se ordene ao divino e a ele se subordine, o visível ao invisível, a ação à contemplação e o presente à cidade futura que buscamos’’ (SC 2); esta realidade complexa divino-humana, na qual a parte humana, terrestre, visível, jurídica, hierárquica, social ou institucional é o orgão ou instrumento do qual se serve o Espírito de Cristo para santificar e salvar ou libertar os homens (LG 18a). Mas entendendo por salvar ou liberta ‘’não uma salvação imanente ao mundo, limitada às necessidades materiais ou mesmo espirituais, e que se exaurisse no âmbito da existência temporal e se identificasse, em última analise, com as aspirações, com as esperanças, com as diligências e com os combates temporais; mas sim uma salvação que ultrapassa todos estes limites, para vir a ter a sua plena realização numa comunhão com o único Absoluto, que é o de Deus: salvação transcendente e escatológica, que já tem certamente o seu começo nesta vida, mas que terá realização completa na eternidade’’ (Evangelii Nutiandi nº 27)
Nada disto, que é a natureza mesma do Corpo Místico de Cristo e constitui sua grandeza e é ao mesmo tempo a razão de ser de nosso amor á Igreja e de nossa entrega a ela e à sua missão, se encontra no conceito de igreja popular que agora nos querem apresentar como a nova eclesiologia. Os bispos chilenos que foram os primeiros que mais de perto experimentaram a irrupção deste insólito modo de conceber a Igreja, concluíram em seu documento de 16 de outubro de 1973 sobre Fé Cristã e Atuação Política, nº 74: ‘’Não é estranho que, sobre esta base se desvirtue a natureza da Igreja e sua institucionalidade essencial. Por este caminho somos conduzidos a uma ‘igreja nova’ sem dimensão sobrenatural, sem sacramentos, sem ministério hierárquico. Nós não podemos reconhecer nesta figura uma simples ‘renovação’ da Igreja perene, mas pura e simplesmente uma instituição diferente, com outra origem, outros fins e meios: uma nova seita. E na realidade os comportamentos de ordem prática deste grupo se aproximam perigosamente e cada vez mais a este caráter de seita’’.
Não há dúvidas que a Igreja de Cristo é e deve ser ‘’popular’’ ou ‘’do povo e para o povo’’, que ela é, como o proclamou uma vez mais o Concílio Vaticano II, o Povo de Deus da Nova Aliança. Entretanto, este Concílio entendia por ‘’povo’’ não exclusivamente os pobres-oprimidos-conscientizados, mas ‘’todos os homens em geral’’ (LG 13d): ‘’Todos os homens são chamados a formar parte do novo povo de Deus’’ (LG 13a). Contudo, ainda que todos os homens sejam chamados a esta unidade Católica do Povo de Deus, de fato nem todos fazem parte desde Povo. [...]
O Vaticano II conhece, pois, também um sentido mais estrito de ‘’povo’’ de Deus ou dos que estão incorporados ‘’plenamente’’ à Igreja de Jesus Cristo: são todos aqueles que ‘’tendo o Espírito de Cristo, aceitam a totalidade de suas organização (estruturas, institucionalidade) e todos os meios de salvação nela instituídos, e na sua estrutura visível regida por Cristo através do Sumo Pontífice e dos bispos que se unem a Ele pelos vínculos da profissão de fé, dos sacramentos, do regime e da comunhão eclesiástica’’ (LG 14b). Como se vê, nesta noção de povo, que é certamente restritiva e não abrange todos os homens, não entram considerações do tipo sociológicos que distingue entre probres e ricos, governados e governanter, etc. Uns e outros, sem nenhuma distinção de classe social, contanto que tenham as condições indicadas, são ‘’povo’’ e pertencem plenamente ao Povo de Deus da Nova Aliança. É evidente que os verdadeiros ‘’opressores’’ que são injustos, não as têm: ‘’ Não se salva contudo, embora incorporados à Igreja, aquele que, não perseverando na caridade permanece no seio da Igreja com o corpo, mas não com o coração’’ (LG 14b)
Esta é a verdadeira Igreja Popular.
Sem admitir a simplista identificação do ‘’povo’’ com o ‘’pobre’’ e entendendo a expressão Povo de Deus como se propõe o Concílio Vaticano II ( é um gravissimo erros de perspectiva, totalmente contrário ao Concílio, identificar o Povo de Deus com os leigos), seria também perfeitamente correto afirmar que o Povo de Deus é o portador do Evangelho, o sujeito da Igreja, com outros privilégios ou prerrogativas mais, mas sem nunca esquecer que esta Igreja de Cristo é uma comunidade sacerdotal e profética ‘’organicamente estruturada’’ (LG 11a), na qual não todos têm as mesmas funções, tarefas, responsabilidades, capacidades e competências: há diversidade de carismas, de ministérios e de modos de ação (cf. 1Co 12,4-6). Nem tudo é conferido pelo Sacramento do Batismo: e nem todos receberam o Sacramento da Ordem.
(D. Boaventura Kloppenburg – Igreja Popular, pág.77)
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